A maneira como a Chanel respondeu à crise que o N˚5 enfrentou no início dos anos 1970 é um dos cases mais notáveis na história do marketing da beleza. Por décadas considerado um epítome de exclusividade, o perfume corria o risco, na época, de ser percebido como antiquado.
A gestão da empresa compreendeu a situação mais como uma oportunidade do que como uma dificuldade, e tomou ações perspicazes para restaurar seu prestígio. A campanha de 1974 foi tão visionária quanto bem-sucedida. Ela salvou o perfume mais famoso do mundo e definiu a direção que o marketing da marca segue até hoje.
O preço do sucesso.
Em 1921, quando Coco Chanel lançou o N˚5, sua estratégia de marketing era o que hoje nós chamaríamos de BTL (Below The Line). Para promover uma nova fragrância, ela convidava um pequeno grupo de amigas da alta sociedade para jantar. Em algum ponto durante a noite, surpreendia a todas borrifando-as com o perfume e presenteando-as com alguns frascos. Para familiarizar as consumidoras com o produto, ela perfumava os provadores de suas butiques com a fragrância.
Funcionou! Dentro do pequeno círculo da alta sociedade parisiense, o Chanel N˚5 se tornou um sucesso imediato. A amiga de Coco, Misia Sert, disse: “Ter um frasco era como ter um bilhete de loteria premiado”.
Só foi a partir de 1924, quando a Parfums Chanel se tornou uma entidade corporativa, que a expansão das vendas além das butiques se tornou um objetivo. Com a ideia de replicar a sensação de raridade que o tornou um sucesso em Paris, a publicidade inicial do perfume em Nova York era discreta, esporádica e deliberadamente limitada.
Os primeiros anúncios apareceram no “The New York Times”, em 1934. Mas, nas décadas subsequentes, pontos de venda se multiplicariam, e o marketing buscou atrair um público cada vez maior. A mensagem original se perdeu e, por volta do final dos anos 1960, a aura de sofisticação do perfume tinha desaparecido. O N˚5 corria o risco de ser identificado como um perfume para o mercado de massa.
Jogadas.
Em 1974, o grupo Abba, com a canção “Waterloo”, venceu o Eurovision. Alguns meses depois, a Alemanha ganhou sua segunda Copa do Mundo de Futebol e, na Chanel, Alain Wertheimer assumiu o controle da empresa como CEO. Wertheimer reconheceu o potencial do N˚5 se transformar num ícone e, sem demora, pôs em ação um plano que transformaria o perfume de um produto cambaleante na pedra angular da marca Chanel.
Alcançar esse objetivo iria requerer uma mudança geral na direção, que envolvia o risco de perdas para alcançar recompensas a longo prazo. Para recapturar a percepção de exclusividade, ele retirou o N˚5 de prateleiras de drogarias e reduziu o número de lojas que vendiam a fragrância, de 18 mil para 12 mil. O marketing deveria refletir a visão original de Chanel, de glamour e sofisticação. Seu propósito de longo prazo era manter o perfume no topo da indústria.
Talvez, sua atitude mais ousada tenha sido encerrar contratos com agências de publicidade externas e colocar o diretor de arte Jacques Helleu, funcionário da casa, na supervisão de todas as decisões criativas, incluindo a propaganda. Pode ter sido sua iniciativa mais brilhante; nos próximos 40 anos, Helleu criaria as imagens que ajudaram a estabelecer a Chanel como uma das marcas mais prestigiadas e influenciar o visual do marketing de luxo em geral.
“pura transparência… um frasco invisível”
Coco Chanel queria que o frasco do N˚5 tivesse um design que pudesse ser a antítese do estilo na moda em 1921. Ela escolheu um frasco despretensioso com o conceito de “pura transparência… um frasco invisível”. Cinquenta anos depois, foi nessa descrição que Helleu encontrou inspiração para as imagens que restaurariam a marca.
A simplicidade da ideia a tornou atraente, e a execução do conceito feita por Helleu foi extraordinária. A campanha não usou slogans, os anúncios não tinham título ou texto. Fotos preto e brancas foram impressas em alto contraste, criando uma impressão de simplicidade e clareza.
Para sua primeira campanha, Helleu escolheu trabalhar com o fotógrafo Richard Avedon. Avedon acreditava que uma imagem de marketing bem-sucedida precisava ter uma narrativa subjacente com o objetivo não apenas de vender, mas de criar uma atmosfera que ajudaria a nos conectar ao momento capturado na foto. Uma de suas técnicas era realçar o lado mais humanístico em suas fotos, apresentando a personalidade, incluindo as falhas, das modelos.
Catherine Deneuve foi o rosto da marca para o início da nova era. Deneuve, então com trinta anos de idade, era pouco conhecida nos EUA, mas sua participação na campanha do N˚5 catapultou as vendas e a imprensa americana a elegeu a mulher mais elegante do mundo. Após seu trabalho para a Chanel, o governo francês escolheu Deneuve para representar Marianne, o símbolo nacional da República.
Ao longo da década de 1970, a colaboração de Helleu, Avedon e Deneuve criaria imagens de excepcional simplicidade e graça, algumas das mais poderosas e duradouras fotografias na história do marketing da beleza.
A lição.
E, seja por causa do aumento nas vendas ou da grande aceitação do público, a Chanel decidiu ampliar o conceito para além do domínio de Catherine Deneuve. Como podemos ver, o conceito seria estendido indefinidamente. De 1974 até agora, as imagens de marketing para o Chanel N˚5 têm se baseado nas ideas que Helleu e Avedon desenvolveram para a primeira campanha. Imagens chave evocam elegância – a simplicidade do estilo de Avedon dá a elas sofisticação. Imagens secundárias foram usadas para apresentar a personalidade de Deneuve ou usar as características visuais de transparência para dar um ar divertido à mensagem.
Nas campanhas seguintes, Helleu criaria variações das fotos de Avedon. Sua colaboração com fotógrafos excepcionais e modelos famosas sempre manteve a novidade da estrutura. O visual do marketing da Chanel se tornou uma narrativa harmoniosa e contínua, contada através dos anos. Fotografias mais antigas, que dão profundidade às mais recentes, tornaram o estilo reconhecível e sempre atemporal. A Chanel se isolou das modas passageiras; sua mensagem de elegância clássica permanece intacta.
Jacques Helleu morreu em setembro de 2007. Ele se juntou à casa Chanel, onde seu pai trabalhava desde os anos 1920, em 1956, aos 18 anos. Helleu foi a força motriz por trás da publicidade da Chanel por quatro décadas. Sua visão e habilidade de dirigir pessoas talentosas dando-lhes autonomia resultou em imagens de marketing extraordinárias. Seu trabalho ajudou a tornar o N˚5 um sinônimo de elegância e a Chanel a ser reconhecida como um dos maiores ícones do luxo.